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Contrato de promessa de compra e venda.


Sob a égide do Código Civil de 1916, a promessa de compra e venda não passava de verdadeiro contrato preliminar, que gerava ao promitente vendedor uma obrigação de fazer, cujo objeto consistia em declarar a vontade para a celebração de outro contrato: o definitivo.
Todavia, tal percepção não gerava segurança jurídica, pois o promitente vendedor, percebendo a valorização do imóvel, poderia invocar o direito de arrependimento, mantendo-se na propriedade do imóvel, indenizando o promitente comprador. Ao promitente comprador, por sua vez, não era dado meios para compelir o promitente vendedor a outorgar a escritura prometida.
Assim, nesse período, comumente a valorização abrupta do imóvel induzia o promitente vendedor a resolver o negócio. É certo que havia previsão de pagamento de indenização ao promitente comprador no artigo 1.088:  “Quando o instrumento público for exigido como prova do contrato, qualquer das partes pode arrepender-se, antes de o assinar, ressarcindo à outra as perdas e danos resultantes do arrependimento, sem prejuízo do estatuído nos arts. 1.095 a 1.097”.
Na forma com que foi concebido originalmente, vê-se que a promessa de compra e venda era pouco segura, pois se revelava como verdadeiro contrato preliminar. Para conter abusos quanto ao direito de arrependimento, foi editado, primeiramente, o Decreto-Lei 58/1937, que dispôs sobre o loteamento e a venda de terrenos à prestação.
Com a edição do referido Decreto-Lei 58/1937, o promitente comprador passou a ter o direito real sobre o imóvel loteado, desde que averbado no Registro de Imóveis conforme previsto no artigo 5º: “A averbação atribui ao compromissário direito real oponível a terceiros, quanto à alienação ou oneração posterior, e far-se-á à vista do instrumento de compromisso de venda, em que o oficial lançará a nota indicativa do livro, página e data do assentamento”. A partir de então, em caso de recusa pelo promitente vendedor, o promitente comprador poderia ingressar com ação de adjudicação compulsória.
Vale dizer que o novo diploma vedou o arrependimento somente para o caso de terrenos loteados. Decorrente disso, os promitentes compradores, desde que averbassem o compromisso de compra e venda no Registro de imóveis, passaram a ter o direito real de aquisição do imóvel.
Entretanto, é de se lembrar que o Decreto-Lei 58/1937 tinha aplicação restrita aos imóveis loteados, urbanos e rurais, e com pagamento em prestações sucessivas. Assim, embora tenha representado avanço, a problemática persistia no tocante a imóveis não loteados.
Já no ano de 1939, a então Lei de Registros Públicos, o Decreto-Lei 4.857/1939, dispôs no seu artigo 178, XIV, sobre o registro da promessa de compra e venda de imóvel não loteado, cujo preço deva pagar-se a prazo, em uma ou mais prestações, bem como as escrituras de promessas de compra e venda em geral.
Vieram a lume, posteriormente, a Lei 649/1949 e a Lei 6.014/1973, alterando o disposto no artigo 22 do Decreto-lei 58/1937, e, no mesmo sentido, estendendo a garantia real aos imóveis não loteados. Dispôs que “os contratos, sem cláusula de arrependimento, de compromisso de compra e venda e cessão de direitos de imóveis não loteados, cujo preço tenha sido pago no ato de sua constituição ou deva sê-lo em uma ou mais prestações, desde que inscritos em qualquer tempo, e lhes confere o direito de adjudicação compulsória, nos termos dos artigos desta Lei, 640 e 641 do Código de Processo Civil”.
A Lei 6.515/73, Lei de Registros Públicos, também veio a reforçar essa garantia ao dispor sobre o registro do compromisso de compra e venda de cessão e de promessa de cessão (artigo 167, I, 9). No mais, a Lei 6766/79 tratou integralmente do loteamento do urbano, ficando relegado ao Decreto-Lei 58/1937 os imóveis loteados rurais.
No atual Código Civil, o compromisso de compra e venda está disciplinado nos artigos 1417 e 1418. No artigo 1418 do Código Civil, foi previsto que o promissário comprador é titular de direito real de aquisição do imóvel compromissado. O referido artigo, de certa forma, encerra as discussões quanto à obrigação decorrente da resistência do não cumprimento da promessa pelo vendedor.
Decorrente dessa evolução e dos diversos diplomas legais editados, a natureza jurídica do compromisso irretratável de compra e venda é controversa na doutrina. Uma primeira corrente o classificava como verdadeiro contrato preliminar. Tal doutrina denominada de clássica teve entre seus defensores o ilustre professor Pontes de Miranda. Concluíam que o compromisso irretratável de compra e venda não poderia ter mais eficácia que o próprio contrato de compra e venda. Este tem efeito unicamente obrigacional, ao passo que o aludido compromisso, desde que registrado, produziria efeitos de direito real.
Essa corrente doutrinária, da qual fazia parte Clóvis Bevilácqua, sustentava o compromisso de compra e venda tal como concebido no Código Civil de 1916.
Para outra corrente, o compromisso irretratável de compra e venda é espécie de compra e venda com cláusula suspensiva, cujo aperfeiçoamento se operava com o pagamento das prestações.
Outra acepção foi dada pelo insigne professor Orlando Gomes, que o classificou como contrato preliminar impróprio, não se confundindo com venda condicional.
Superada a celeuma quanto à natureza jurídica do compromisso irretratável de compra e venda, é necessário enfrentar outra controvérsia: a existência de direito real. O artigo 1225, VII do Código Civil elencou o direito do promitente comprador no rol dos direitos reais. Assim também o define a doutrina majoritária.
Contudo, há de se recordar que doutrinadores do quilate de Clóvis Bevilácqua, Pontes de Miranda e Orlando Gomes sempre negaram a existência de direito real. Atualmente a doutrina majoritária entende que, de fato, se trata de direito real.
Mas as discussões não se encerram por aqui. Não obstante o fato de a ampla maioria tender no sentido da existência de direito real, divergem severamente quanto à natureza de tal direito real.
O civilista Silvio Rodrigues o considera como direito real de gozo. Outro renomado civilista, Cáio Mário, o considera como direito real de aquisição. Outros, contudo, consideram que se trata de direito real de garantia.
A despeito de toda a divergência e do embate de grandes mestres na defesa de seus posicionamentos, parece-nos que o atual Código Civil, no artigo 1417, tenha adotado os ensinamentos do Professor Cáio Mário, posto que, de fato, se assegura a aquisição do bem compromissado e não o gozo ou a garantia de tal bem.
Convém salientar que o arrependimento – desistência unilateral do contrato –  é vedado tanto pela Lei 6.766/1979, para imóveis urbanos loteados, quanto pelo Decreto-Lei 58/1937, para imóveis rurais. Denota-se que a cláusula de arrependimento somente é admitida nos compromissos de compra e venda de imóveis não loteados, persistindo, no silêncio, a inadmissibilidade do arrependimento.
Por fim, a execução do compromisso irretratável de compra e venda se opera voluntariamente pela outorga da escritura definitiva ou pela sentença constitutiva de adjudicação compulsória. Esta, conceituada como sendo direito público subjetivo atribuído ao compromissário comprador ou cessionário, para invocar a atividade jurisdicional e obter uma sentença sucedânea da declaração de vontade do promitente vendedor.
Notas/Bibliografia consultada:
1. Lopes. Miguel Maria Serpa. Tratado de Registos Públicos. Comentários ao Decreto-Lei 4.857. Vol. I e III. Ed. Freitas Bastos. Rio de Janeiro. 1960.
2. Rodrigues. Silvio. Direito das coisas. Vol. 05. 25ª Ed. Saraiva. São Paulo. 1999.
3. Pereira. Cáio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. III. 6ª
Ed. Forense. Rio de Janeiro. 1984.
4. de Barros. Flávio Augusto Monteiro. Manual de Direito Civil. Direito das Coisas. Vol. 03. 2ª Ed. Método. São Paulo. 2007.

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