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Pagamento de débitos inscritos na Recuperação Judicial

Vários são os casos nos quais um fornecedor essencial para uma empresa em recuperação judicial, condiciona o pagamento dos débitos pretéritos (os quais estão inscritos e sujeitos à recuperação) para o fornecimento de produtos, mesmo que mediante pagamento a vista.

Nos termos do artigo 49 da Lei de Recuperações e falências, “estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos” (com as ressalvas dos §§ do art. 49), “os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso.” (art. 49, §1º), e anda “as obrigações anteriores à recuperação judicial observarão as condições originalmente contratadas ou definidas em lei, inclusive no que diz respeito aos encargos, salvo se de modo diverso ficar estabelecido no plano de recuperação judicial” (art. 49, §2º).

Assim, no pedido de recuperação judicial, conforme determinado pelo artigo 51, III, da LRF deverá o requerente da Recuperação Judicial em sua petição inicial “apresentar a relação nominal completa dos credores, inclusive aqueles por obrigação de fazer ou de dar, com a indicação do endereço de cada um, a natureza, a classificação e o valor atualizado do crédito, discriminando sua origem, o regime dos respectivos vencimentos e a indicação dos registros contábeis de cada transação pendente”, ato pelo qual o devedor ‘habilita’ os créditos sujeitos à recuperação.

Incialmente é importante trazer à discussão os aspectos penais da recuperação judicial, transcrevendo-se os artigos da Lei 11.101/05:
Art. 168. Praticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar a recuperação extrajudicial, ato fraudulento de que resulte ou possa resultar prejuízo aos credores, com o fim de obter ou assegurar vantagem indevida para si ou para outrem.
Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

Aumento da pena
§ 1o A pena aumenta-se de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço), se o agente:
 I – elabora escrituração contábil ou balanço com dados inexatos;
II – omite, na escrituração contábil ou no balanço, lançamento que deles deveria constar, ou altera escrituração ou balanço verdadeiros;
III – destrói, apaga ou corrompe dados contábeis ou negociais armazenados em computador ou sistema informatizado;
IV – simula a composição do capital social;
V – destrói, oculta ou inutiliza, total ou parcialmente, os documentos de escrituração contábil obrigatórios.

Contabilidade paralela
§ 2o A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até metade se o devedor manteve ou movimentou recursos ou valores paralelamente à contabilidade exigida pela legislação.

Concurso de pessoas
§ 3o Nas mesmas penas incidem os contadores, técnicos contábeis, auditores e outros profissionais que, de qualquer modo, concorrerem para as condutas criminosas descritas neste artigo, na medida de sua culpabilidade.

Redução ou substituição da pena
§ 4o Tratando-se de falência de microempresa ou de empresa de pequeno porte, e não se constatando prática habitual de condutas fraudulentas por parte do falido, poderá o juiz reduzir a pena de reclusão de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) ou substituí-la pelas penas restritivas de direitos, pelas de perda de bens e valores ou pelas de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas.

Violação de sigilo empresarial
 Art. 169. Violar, explorar ou divulgar, sem justa causa, sigilo empresarial ou dados confidenciais sobre operações ou serviços, contribuindo para a condução do devedor a estado de inviabilidade econômica ou financeira:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Divulgação de informações falsas
Art. 170. Divulgar ou propalar, por qualquer meio, informação falsa sobre devedor em recuperação judicial, com o fim de levá-lo à falência ou de obter vantagem:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Indução a erro
Art. 171. Sonegar ou omitir informações ou prestar informações falsas no processo de falência, de recuperação judicial ou de recuperação extrajudicial, com o fim de induzir a erro o juiz, o Ministério Público, os credores, a assembléia-geral de credores, o Comitê ou o administrador judicial:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Favorecimento de credores
Art. 172. Praticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar plano de recuperação extrajudicial, ato de disposição ou oneração patrimonial ou gerador de obrigação, destinado a favorecer um ou mais credores em prejuízo dos demais:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre o credor que, em conluio, possa beneficiar-se de ato previsto no caput deste artigo.

Desvio, ocultação ou apropriação de bens
Art. 173. Apropriar-se, desviar ou ocultar bens pertencentes ao devedor sob recuperação judicial ou à massa falida, inclusive por meio da aquisição por interposta pessoa:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Aquisição, recebimento ou uso ilegal de bens
Art. 174. Adquirir, receber, usar, ilicitamente, bem que sabe pertencer à massa falida ou influir para que terceiro, de boa-fé, o adquira, receba ou use:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Habilitação ilegal de crédito
Art. 175. Apresentar, em falência, recuperação judicial ou recuperação extrajudicial, relação de créditos, habilitação de créditos ou reclamação falsas, ou juntar a elas título falso ou simulado:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Exercício ilegal de atividade
 Art. 176. Exercer atividade para a qual foi inabilitado ou incapacitado por decisão judicial, nos termos desta Lei:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Violação de impedimento
Art. 177. Adquirir o juiz, o representante do Ministério Público, o administrador judicial, o gestor judicial, o perito, o avaliador, o escrivão, o oficial de justiça ou o leiloeiro, por si ou por interposta pessoa, bens de massa falida ou de devedor em recuperação judicial, ou, em relação a estes, entrar em alguma especulação de lucro, quando tenham atuado nos respectivos processos:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Omissão dos documentos contábeis obrigatórios
 Art. 178. Deixar de elaborar, escriturar ou autenticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar o plano de recuperação extrajudicial, os documentos de escrituração contábil obrigatórios:
 Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave.

Assim, pelas disposições penais acima expostas, o Devedor, o Administrador e até os Credores respondem penalmente seja pela veracidade das informações apresentadas ou por quaisquer atitudes que tenham potencial de causar prejuízo à universalidade de credores.

Com relação aos créditos inscritos pelo devedor na recuperação, o entendimento doutrinário é o de que não podem ser pagos pela empresa, sob risco de incorrer-se no crime de favorecimento de credores, uma vez que todos os créditos devem ser pagos de acordo com o estupulado no plano de recuperação, respeitando a situação de ‘igualdade entre os credores’.

Mas o que fazer quando o credor é um fornecedor essencial ou se recusa a vender sem que seja pago parte da dívida inscrita na recuperação?

Juridicamente falando, os créditos podem ser cedidos (Código Civil art. 286 e seguintes), remidos (perdoados CC art 385 e ss), ou pagos por terceiro (devedor solidário ou subsidiário, que se subrroga nos direito do crédito CC art. 346 e seguintes, ou terceiro não interessado que pode reembolsar-se do que pagou CC art. 299 c.c. 305)

A recuperanda deverá, no caso de necessidade de pagamento dos valores, valer-se de uma das modalidades de transmissão/extinção de obrigação, para realizar o pagamento ao credor de forma legal.  Para isso cumpre-nos analisar cada uma das modalidades e suas consequências.

Cessão de crédito: é de longe a modalidade mais utilizada para pagamentos dos valores inscritos na recuperação.  Por essa modalidade de transmissão de obrigações, o credor transfere, com anuência do devedor,  mediante pagamento (o qual pode ser total ou parcial, dependendo do convencionado entre as partes, sendo comum o deságio em virtude do risco) à um terceiro, que não necessariamente já seja credor da devedora ou tenha com ela algum tipo de relacionamento.   O Cessionário, nesse caso se sub-roga nos direitos do credor (cedente) podendo, inclusive, votar em regular assembléia de credores.

Remissão do Crédito: a remissão é a modalidade de extinção da obrigação pela renúncia do credor ao recebimento do crédito, ou seja, pelo perdão da dívida.  Uma dívida remida deve ser abatida do quadro geral de credores, e não pode ser representada em assembléia de credores.  Porém, quando há disponibilidade de o credor remir a dívida, ou seja, é boa a relação entre as partes, o ideal é que o credor compareça à assembléia (pessoalmente ou por procurador), conceda a remissão posteriormente.

Sub-rogação do crédito (quitação dos valores por terceiros): a presente modalidade se desdobra em duas hipoteses diferentes: terceiros interessados (co-devedor, devedor que pode ser responsabilizado, tais como solidário, subsidiário, sócios ou até grupo econômico), e terceiros não interessados, porém em se tratando de modo de transmissão devemos dividir em três grupos distintos: terceiro não interessado, sub-rogação legal e sub-rogação convencional.  

Nos termos do art. 305 do código Civil, “o terceiro não interessado, que paga a dívida em seu próprio nome, tem direito a reembolsar-se do que pagar; mas não se sub-roga nos direitos do credor”, ou seja, se pagar o valor com deságio deverá cobrá-lo com deságio do devedor principal. 

Em se tratando de terceiros interessados, co-devedores, deve-se atentar à forma da sub-rogação, vez que na sub-rogaçao legal (aquela que ocorre de pleno direito, sem acordo expresso entre as partes, CC. art. 346 e 350), tal como no pagamento realizado por terceiro não interessado, o credor somente pode receber o que desembolsou.

Para poder subrogar-se em todos os direitos do credor, deve ser realizada a sub-rogação convencional, ou seja, por uma manifestação expressa, convenção/acordo escrito entre as partes, (CC art. 347) sendo que ao fazê-lo “se transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores”.
 
Ante a complexidade desta modalidade, pertinente a transcrição das disposições legais, para melhor contextualização:
Art. 346. A sub-rogação opera-se, de pleno direito, em favor:
I - do credor que paga a dívida do devedor comum;
II - do adquirente do imóvel hipotecado, que paga a credor hipotecário, bem como do terceiro que efetiva o pagamento para não ser privado de direito sobre imóvel;
III - do terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado, no todo ou em parte.

Art. 347. A sub-rogação é convencional:
I - quando o credor recebe o pagamento de terceiro e expressamente lhe transfere todos os seus direitos;
II - quando terceira pessoa empresta ao devedor a quantia precisa para solver a dívida, sob a condição expressa de ficar o mutuante sub-rogado nos direitos do credor satisfeito.

Art. 348. Na hipótese do inciso I do artigo antecedente, vigorará o disposto quanto à cessão do crédito.

Art. 349. A sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores.

Art. 350. Na sub-rogação legal o sub-rogado não poderá exercer os direitos e as ações do credor, senão até à soma que tiver desembolsado para desobrigar o devedor.

Art. 351. O credor originário, só em parte reembolsado, terá preferência ao sub-rogado, na cobrança da dívida restante, se os bens do devedor não chegarem para saldar inteiramente o que a um e outro dever.

Em qualquer dos casos de sub-rogação, o sub-rogado, ou seja, aquele que pagou o débito, pode participar da regular assembléia de credores, seja pelo valor pago seja pelo valor total. 

Assim, no caso de necessidade de pagamento total ou parcial dos débitos incritos na Recuparação judicial, deve a recuperanda, seus administradores e parceiros realizar o pagamento por uma das modalidades acima apresentadas, evitando de toda forma o pagamento direto ao cerdor, regularizando sempre a situação do crédito perante a recuperação, sob pena de incorrer-se em crime falimentar.

Comentários

  1. Pode-se fazer pagamento direto ao fornecedor de uma empresa que foi contratada mas esta em recuperação judicial?

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