Acidente: dever de indenizar e culpabilidade da vítima
Indenizar (indeni+zar) em análise
etimológica consiste na ação de tornar “indene” (do latim indemne), sendo esta a qualidade daquilo “que não sofreu perda ou
dano”, “ileso, incólume, íntegro”, ou seja, indenizar em termos simples significa
em restaurar a integridade/incolumidade de um bem/direito que, de alguma forma
foi lesada.
Apesar de não ter como escopo o
presente artigo analisar aspectos da responsabilidade civil (subjetiva ou
objetiva), cumpre inicialmente destacar que a imputação de responsabilidade dos
danos em razão da culpa, tem origem histórica na Lei Aquília, a qual, editada
na republica Romana (provavelmente no Século II a.C.), prescrevia a
conseqüência de certos “eventos danosos” (causadores de dano) obrigando quem os
tivesse causado a reparar os prejuízos.
O objetivo da criação da Lei Aquília
foi o de afastar a aplicação da pena de Talião (famoso “olho por olho dente por
dente”), uma vez que esta autorizava a vítima a causar dano proporcional ao sofrido
causando-se somente mais prejuízo. Assim, pela nova Lei, ao invés da morte de
dois escravos, por exemplo, o causador do dano era obrigado a dar seu escravo
àquele a quem tinha matado o escravo, reparando o dano causado, dando-se início
ao princípio da indenização em substituição ao antigo princípio da retaliação.
Hodiernamente, após séculos (ou até
milênios) de debates, estudos e desenvolvimento da tecnologia jurídica
relacionada à responsabilidade civil e indenização dos danos, têm-se, conforme a
doutrina e jurisprudência majoritárias, como requisitos básicos da
responsabilidade civil (aquiliana) a existência da Conduta (ação ou omissão
culposa ou dolosa), Dano (material ou moral) e Nexo de causalidade (liame
subjetivo vinculando a conduta ao dano).
Diz o artigo 927 do Código Civil
Brasileiro que “aquele que, por ato
ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”
sendo ainda que “haverá obrigação de
reparar o dano, independentemente de culpa (responsabilidade objetiva), nos casos especificados em lei, ou quando
a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua
natureza, risco para os direitos de outrem (indenização por ato lícito mas
que mesmo assim cause danos)”.
Temos, portanto que o dano é figura essencial
para existência do dever de indenizar, sendo que a conduta geradora (é preciso
que a conduta gere o dano para existência do nexo causal) deste dano pode ser
ativa ou omissiva, dolosa ou culposa e ainda lícita ou ilícita, dependendo do
caso concreto.
Valor
da indenização - Culpa do Autor X Culpa da Vítima - Não é somente a
conduta do suposto autor que influi na mensuração do dever de indenizar e do
quantum indenizatório. Nos termos do
art. 954 do Código Civil, “se a vítima
tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será
fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor
do dano”, ou seja, a indenização deve ser calculada considerando-se o
grau de culpa da vítima no evento danoso.
Nesse sentido, conforme construção
doutrinária e jurisprudencial, o órgão judicante deve arbitrar os valores de
condenação em duas fases distintas, primeiramente estabelecendo um valor básico para a
indenização, considerando o bem/direito lesado, posteriormente analisando as
circunstâncias do caso e a própria culpabilidade da vítima, fixar a condenação
definitiva. Nesse sentido são as decisões do STJ como a que transcrevermos:
RECURSO
ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. MORTE. DANO MORAL. QUANTUM
INDENIZATÓRIO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. CRITÉRIOS DE ARBITRAMENTO EQUITATIVO
PELO JUIZ. MÉTODO BIFÁSICO. VALORIZAÇÃO DO INTERESSE JURÍDICO LESADO E DAS
CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO.
(...)
3. Elevação
do valor da indenização por dano moral na linha dos precedentes desta Corte,
considerando as duas etapas que devem ser percorridas para esse arbitramento.
4. Na primeira etapa, deve-se estabelecer um
valor básico para a indenização, considerando o interesse jurídico lesado, com
base em grupo de precedentes jurisprudenciais que apreciaram casos semelhantes.
5. Na segunda etapa, devem ser consideradas as
circunstâncias do caso, para fixação definitiva do valor da indenização,
atendendo a determinação legal de arbitramento equitativo pelo juiz.
6. Aplicação
analógica do enunciado normativo do parágrafo único do art. 953 do CC/2002.
7. Doutrina e
jurisprudência acerca do tema.
8. RECURSO
ESPECIAL PROVIDO.
(REsp 959.780/ES, Rel. Ministro PAULO DE TARSO
SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/04/2011, DJe 06/05/2011)
Culpa
Concorrente - Ocorre a culpa concorrente quando a vítima por sua ação
ou omissão juntamente com o autor, concorre para o ocasionamento do evento
danoso. Nesses casos, é de entendimento
doutrinário e jurisprudencial a redução dos valores de indenização pela metade,
como pode-se visualizar no seguinte julgado do E. STJ:
“CIVIL E
PROCESSUAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ACIDENTE FERROVIÁRIO. LESÃO QUE INCAPACITOU A
VÍTIMA PARA O TRABALHO. CULPA CONCORRENTE.
(...).
II. É devida
pensão mensal vitalícia, de 01 (um) salário mínimo, à vítima que ficou
incapacitada para o trabalho, mesmo que não exercesse, à época do acidente,
atividade remunerada.
III. Podem
cumular-se danos estético e moral quando possível identificar claramente as
condições justificadoras de cada espécie.
IV.
Importando a deformidade em lesão que afeta a estética do ser humano, há que
ser valorada para fins de indenização.
V. Pensão e dano estético devidos pela metade, em
razão da culpa concorrente da vítima reconhecida na instância ordinária.
(...)
VII. Recurso
especial conhecido e provido.
(REsp 711.720/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO
JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 24/11/2009, DJe 18/12/2009)
Culpa
Exclusiva da Vítima – Há, entretanto, casos nos quais a conduta da
vítima é excludente do dever de indenizar, pois ocorrendo a culpa exclusiva
desta pela ocorrência do evento danoso retira-se o nexo de causalidade entre a
conduta do agente e o dano causado. Exemplo comum desta hipótese ocorre em
acidentes de trânsito (atropelamento) quando a vítima é quem adentra na via sem
os devidos cuidados. Nesse caso, estando o condutor respeitando todos os
limites de velocidade e as leis de trânsito, mesmo que ocorra o atropelamento
não há o dever de indenizar.
Necessário, portanto, para correta
verificação da existência do dever de indenizar e do quantum indenizatório
(valor da indenização) mensurar-se a culpa da vítima na ocorrência do evento
danoso para, a partir daí, decidir pelo dever de indenizar e fixar o valor
final a ser reparado.
Muito bom Dr. Felipe. Parabéns!!!
ResponderExcluirJosé Carlos