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A definição de núcleo duro da Constituição: os princípios republicano, democrático e federativo.

Constituição, em linhas gerais, é conceituada como documento de instrumentalização política e jurídica, de natureza fundamental, sobre o qual se estabelece os elementos e diretrizes essenciais de um Estado. Reflete-se como o sistema de normas jurídicas, escritas ou não, que regulam a forma de Estado, a forma de governo, o modo de aquisição e o exercício do Poder, a estrutura de seus órgãos e os limites de sua ação - direitos e garantias individuais e de ordem pública e subjetiva.

A constituição é amparada em valores que serviram de móvel no processo de sua criação (propositura, discussão, deliberação e promulgação), e variáveis conforme o momento histórico em que se situa. Esses valores são solidificados nas cláusulas pétreas e em outros comandos essenciais – valores ou princípios que figuram como fundamentos da própria Constituição – que, se desnaturados, atingiriam o espírito e as premissas adotadas pelo Poder Constituinte.

É certo, portanto, que os princípios norteadores do sistema constitucional não estão em um mesmo patamar. Há princípios e comandos de valoração maior, que refletem o posicionamento e as escolhas do Poder Constituinte originário. Esse núcleo essencial do estatuto político-jurídico de um Estado (J.J Canotilho) está imune a mutações constitucionais pelo Poder Constituinte derivado. Denomina-se de núcleo duro das Constituições – “aquele conteúdo essencial que as próprias cartas políticas, para não perder a identidade, cautelosamente protegem contra tudo e contra todos, mas, em especial, contra as tentações dos seus reformadores de plantão.” (MENDES, Gilmar Ferreira. Op. Cit., p. 132 – citado em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6644#_ftn17)

Os princípios fundantes da ordem constitucional – como o conjunto de princípios estruturantes do Estado brasileiro são todos intangíveis. Compõem o núcleo duro da Constituição, dando-lhe identidade, não sendo alcançável sequer pelo Poder de reforma, sob pena de desvirtuar os propósitos firmados pelo Poder Constituinte originário.

Nesse contexto, são intangíveis os princípios estruturantes gerais (alicerce em que se fundamenta o Estado brasileiro) definidos no artigo 1º da Constituição Federal: o Estado Democrático e Social de Direito, a República, a Federação, o pluralismo, a soberania, a cidadania, dentre outros. Também o são, o núcleo de princípios de direitos fundamentais e setoriais, limitativos da atuação estatal: da dignidade da pessoa humana, da humanidade das penas, da impessoalidade e da moralidade administrativa, as limitações tributárias, a legalidade etc.

Importa-nos, para esse momento, o núcleo fundante do Estado brasileiro, alicerçado sobre os princípios republicano, federativo e democrático.

Em apertada síntese, o preclaro republicano Rui Barbosa República, definiu a República como sendo: “o governo do povo, para o povo e pelo povo”. A República, como ensina o Prof. Geraldo Ataliba, “é o regime público em que os exercentes do Poder – eleitos – fazem em nome do povo, com responsabilidade, e calcado na temporariedade”. Presentes, portanto, a noção de eletividade, temporariedade e responsabilidade na gestão da coisa pública.

Em várias oportunidades em que o Supremo Tribunal Federal foi instado a se posicionar sobre a constitucionalidade de textos legislativos, diante da existência de conflito entre princípios de peso maior, posicionou-se, amparado pelo princípio da proporcionalidade, pela leitura que privilegiasse a aplicação do princípio republicano e democrático.

No julgamento da ADI 4578 e ADC 29, que versava sobre a constitucionalidade da LC 135/2008 (Lei da ficha limpa), o Min. Enrique Ricardo Lewandowski, foi enfático ao manifestar-se pela constitucionalidade do referido dispositivo legal, afirmando: “Nos defrontamos com dois valores constitucionais da mesma hierarquia. Ainda que se pudesse dar um valor maior ao princípio da não culpabilidade, este princípio deve ser interpretado a partir do princípio republicano que está plasmado logo no artigo primeiro da Constituição”. (ADI 4578 E ADC 29).

Da mesma forma na ADI 3.853, da relatoria da Min. Cármen Lúcia, fica claro a prevalência dos princípios republicano e federativo. A eminente relatora ao analisar a EC 35/2006, que acrescentou ao Ato das Disposições Constitucionais Gerais e Transitórias da Constituição de Mato Grosso do Sul, norma que assegurava aos ex-governadores sul-mato-grossenses que exerceram mandato integral, em 'caráter permanente', receberiam subsídio mensal e vitalício, igual ao percebido pelo governador do Estado, inclusive com previsão de transferência ao cônjuge supérstite, casos em que os valores seriam reduzidos à metade do valor devido ao titular, foi terminante ao expor em seu voto que:

“No vigente ordenamento republicano e democrático brasileiro, os cargos políticos de chefia do Poder Executivo não são exercidos nem ocupados 'em caráter permanente', por serem os mandatos temporários e seus ocupantes, transitórios. Conquanto a norma faça menção ao termo 'benefício', não se tem configurado esse instituto de direito administrativo e previdenciário, que requer atual e presente desempenho de cargo público. Afronta o equilíbrio federativo e os princípios da igualdade, da impessoalidade, da moralidade pública e da responsabilidade dos gastos públicos (arts. 1º; 5º, caput; 25, § 1º; 37, caput e XIII; 169, § 1º, I e II; e 195, § 5º, da CR). Precedentes. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade do art. 29-A e seus parágrafos do Ato das Disposições Constitucionais Gerais e Transitórias da Constituição do Estado de Mato Grosso do Sul." (ADI 3.853 - julgamento em 12-9-2007, Plenário, DJ de 26-10-2007.)
O Poder Constituinte pátrio estabeleceu o Estado Nacional fundado na Federação, ou seja, uma forma de Estado constituída pela união permanente e indissolúvel dos Estados membro; ausente o direito de secessão, sob pena de intervenção federal, impeachment, por exemplo. Há, na federação, um complexo de relações e competências que devem ser respeitados a fim de que não fragilize os ideais federalistas, tais como: autonomia política e administrativa, a definição de competências privativas, estabelecimento de rendas próprias, dentro outras características, e a coexistência de centros de inamação do Poder e do cumprimento de deveres constitucionais.

Ao analisar a unidade nacional, o STF, sob a relatoria do eminente Min. Celso de Melo, lecionou que "a questão do federalismo no sistema constitucional brasileiro (surgimento da ideia federalista no Império), tem o modelo federal e a pluralidade de ordens jurídicas (ordem jurídica total e ordens jurídicas parciais), na repartição constitucional de competências: poderes enumerados (explícitos ou implícitos) e poderes residuais." (ADI 2.995, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 13-12-2006, Plenário, DJ de 28-9-2007.)

Em outras oportunidades, demonstrando a força irradiante e fundante do princípio federativo, o Min. Celso de Mello, reconhece a necessidade e primazia do pacto federativo de equilíbrio, estabelecido pelo Poder Constituinte, topograficamente, no artigo 1º da Constituição, ao dispor:

"O pacto federativo, sustentando-se na harmonia que deve presidir as relações institucionais entre as comunidades políticas que compõem o Estado Federal, legitima as restrições de ordem constitucional que afetam o exercício, pelos Estados-membros e Distrito Federal, de sua competência normativa em tema de exoneração tributária pertinente ao ICMS." (ADI 1.247-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 17-8-1995, Plenário, DJ de 8-9-1995.)

"Mais do que isso, a ideia de Federação – que tem, na autonomia dos Estados-membros, um de seus cornerstones – revela-se elemento cujo sentido de fundamentalidade a torna imune, em sede de revisão constitucional, à própria ação reformadora do Congresso Nacional, por representar categoria política inalcançável, até mesmo, pelo exercício do poder constituinte derivado (CF, art. 60, § 4º, I)." (HC 80.511, voto do Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 21-8-2001, Segunda Turma, DJ de 14-9-2001.)

Clara, portanto, a existência e a prevalência de valores maiores, solidificados nas cláusulas pétreas e em outros comandos constitucionais essenciais, veiculadores dos fundamentos da Constituição – núcleo duro – de natureza intangível, como mecanismo e instrumento necessário à unidade e proteção da Constituição e, consequentemente, do Estado.

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