Falência: Noções preliminares
A palavra Falência, segundo o dicionário Michaelis é
proveniente do termo latino fallentia,
sendo o “Ato ou efeito de falir;
falimento (...) estado de quase insolvência ou de insolvência completa de um
comerciante ou casa comercial, reconhecido por tribunal; bancarrota, quebra”[1].
Historicamente era a falência interpretada como sanção
ao devedor (por vezes punida com mutilação ou morte) sendo que os termos
“bancarrota” e “quebra” remontam à idade média, onde ocorria literalmente a
quebra pelos credores da banca do comerciante.
Porém, com o passar dos anos e o desenvolvimento cultural
da sociedade, da tecnologia empresarial e jurídica e principalmente após a
entrada em vigor da nova Lei de Recuperações e Falências (LRF), Lei
11.101/2005, quebrou-se paradigma de sanção passando a falência a ser
interpretada como “o direito do devedor
honesto de ter os seus bens liquidados judicialmente pelo Estado”.
Principiologicamente informa o art. 75 da Lei de Falências (LRF) que “a falência, ao promover o afastamento do
devedor de suas atividades, visa a preservar e otimizar a utilização produtiva
dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa”.
Têm-se neste artigo, insculpidos os princípios orientadores apresentados pelo senador Ramez Tebet
no parecer nº 534 de 2004, sobre o Projeto de Lei da Câmara nº 71, de 2003
(convertido na Lei 11.101 de 09 de fevereiro de 2005, Lei de Recuperação
Judicial, Extrajudicial e Falências - LRF), atinentes ao à falência:
“1. Preservação da empresa: em razão de sua função social, a empresa deve ser preservada sempre que possível, pois gera riqueza econômica e cria emprego e renda, contribuindo para o crescimento e o desenvolvimento social do País. Além disso, a extinção da empresa provoca a perda do agregado econômico representado pelos chamados intangíveis como nome, ponto comercial, reputação, marcas, clientela, rede de fornecedores, know-how, treinamento, perspectiva de lucro futuro, entre outros.
2. Separação dos conceitos de empresa e de empresário: a empresa é o conjunto organizado de capital e trabalho para a produção ou circulação de bens ou serviços. Não se deve confundir a empresa com a pessoa natural ou jurídica que a controla. Assim, é possível preservar uma empresa, ainda que haja a falência, desde que se logre aliená-la a outro empresário ou sociedade que continue sua atividade em bases eficientes.
3. Recuperação das sociedades e empresários recuperáveis: sempre que for possível a manutenção da estrutura organização ou societária ainda que com modificações o Estado deve dar instrumentos e condições para que a empresa se recupere, estimulando, assim, a atividade empresarial.
4. Retirada do mercado de sociedades ou empresários não recuperáveis: caso haja problemas crônicos na atividade ou na administração da empresa, de modo a inviabilizar sua recuperação, o Estado deve promover de forma rápida e eficiente sua retirada do mercado, a fim de evitar a potencialização dos problemas e o agravamento da situação dos que negociam com pessoas ou sociedades com dificuldades insanáveis na condução do negócio.(...)”[2]
Usualmente, o termo falido ou quebrado é utilizado
popularmente para qualificar as empresas (empresários, comerciantes e
assemelhados) em crise econômico-financeira, entretanto tal aplicação é
inadequada, haja vista que, para a condição de falido é necessária a existência
de sentença judicial decretando a falência, transitada em julgado (quando sobre
ela não mais sejam cabíveis recursos).
O renomado jurista Fabio Ulhôa Coelho propõe a
sistematização no tocante à crise
da Empresa distinguindo-a como sendo de origem econômica, quando há
retração considerável nos negócios desenvolvidos pela empresa; financeira
quando a sociedade empresária não tem caixa para honrar seus compromissos
(também conhecida como crise de liquidez, a qual tem como efeito a
impontualidade); e patrimonial quando há a insuficiência nos bens do ativo para
cobrir a satisfação do passivo (também conhecida como insolvência). Prepondera ainda que normalmente uma crise
desencadeia ou agrava a outra, mas sendo cada ver ocorrente os casos nos quais
manifesta-se somente um dessas crises sem verdadeira preocupação aos agentes
econômicos[3].
Porém a situação de crise não implica em falência,
existindo um “remédio” adequado para cada situação, seja a reestruturação
administrativa, seja uma recuperação extrajudicial, seja uma recuperação
judicial, seja uma liquidação extrajudicial ou, por vezes, até uma
auto-falência.
Quem pode falir?
Nos termos dos arts. 1º. e 2º. da Lei 11.101/05 (LRF)
estão sujeitos à falência o empresário (antigo comerciante individual - seja de
responsabilidade limitada ou de responsabilidade ilimitada) e a sociedade em
empresária (pessoas jurídicas), excluídos deste rol empresas públicas,
sociedade de economia mista, instituição financeira pública ou privada,
cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar,
sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora,
sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às
anteriores.
Quem pode requerer
a falência?
Determina o artigo 97 da LRF que podem requerer a
falência do devedor:
I – o próprio devedor (através da autofalência);
II – o cônjuge sobrevivente, qualquer herdeiro do devedor ou o inventariante (quando falecido o devedor);
III – o cotista ou o acionista do devedor na forma da lei ou do ato constitutivo da sociedade;
IV – qualquer credor (entretanto o credor empresário deverá apresentar certidão do Registro Público de Empresas que comprove a regularidade de suas atividades).
Em quais hipóteses se
pode basear um pedido de falência?
Além da qualidade do devedor e do credor é também
relevante o motivo pelo qual se requer a falência, sendo este disciplinado pelo
artigo 94 da LRF, o qual determina que será
decretada a falência do devedor que:
I – sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido de falência; (também denominada falência por impontualidade - porém, podem vários credores se reunir para alcançar a referida quantia)
II – executado por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita e não nomeia à penhora bens suficientes dentro do prazo legal (falência por execução frustrada);
III – pratica qualquer dos seguintes atos, exceto se fizer parte de plano de recuperação judicial (pratica os chamados atos de falência):
a) procede à liquidação precipitada de seus ativos ou lança mão de meio ruinoso ou fraudulento para realizar pagamentos;
b) realiza ou, por atos inequívocos, tenta realizar, com o objetivo de retardar pagamentos ou fraudar credores, negócio simulado ou alienação de parte ou da totalidade de seu ativo a terceiro, credor ou não;
c) transfere estabelecimento a terceiro, credor ou não, sem o consentimento de todos os credores e sem ficar com bens suficientes para solver seu passivo;
d) simula a transferência de seu principal estabelecimento com o objetivo de burlar a legislação ou a fiscalização ou para prejudicar credor;
e) dá ou reforça garantia a credor por dívida contraída anteriormente sem ficar com bens livres e desembaraçados suficientes para saldar seu passivo;
f) ausenta-se sem deixar representante habilitado e com recursos suficientes para pagar os credores, abandona estabelecimento ou tenta ocultar-se de seu domicílio, do local de sua sede ou de seu principal estabelecimento;
g) deixa de cumprir, no prazo estabelecido, obrigação assumida no plano de recuperação judicial.
Quais as defesas do
devedor?
Recebido o pedido pelo juiz e estando formalmente em
ordem é determinada a citação da devedora a qual tem prazo de 10 (dez) dias
para pagar o débito (se o pedido for apresentado com fundamento nos incisos I e
II do artigo 94 da LRF) evitando-se assim a decretação da falência, ou para
apresentar sua defesa.
No caso de não pagamento (quando a falência for
requerida com base no art. 94, inciso I da LRF) diz o art. 96 que, como
matérias de defesa, para a não decretação da falência deve requerido provar a
ocorrência de um ou mais das condições abaixo:
I – falsidade de título executivo;
II – prescrição do débito;
III – nulidade de obrigação ou de título;
IV – pagamento da dívida;
V – qualquer outro fato que extinga ou suspenda obrigação ou não legitime a cobrança de título;
VI – vício em protesto ou em seu instrumento;
VII – apresentação de pedido de recuperação judicial no prazo da contestação;
VIII – cessação das atividades empresariais mais de 2 (dois) anos antes do pedido de falência, comprovada por documento hábil do Registro Público de Empresas, o qual não prevalecerá contra prova de exercício posterior ao ato registrado.
Entretanto, as defesas previstas nos incisos I a VI acima
não obstam a decretação de falência se, ao final, restarem débitos não atingidos
pelas defesas. Assim, é sempre
recomendado ao devedor que deposite em juízo o montante total do débito para
evitar-se uma falência em caso de somente parcial procedência da defesa.
Ainda,
conforme preceituam os artigos 95 e 96, VII ambos da LRF, pode o devedor
apresentar, no prazo da Contestação, um pedido incidental de recuperação
judicial, o qual, se deferido o processamento, suspende a ação falimentar.
Digno de especial destaque que a
LRF impõe limites a fim de coibir-se o abuso do exercício do direito do credor,
sendo que “quem por dolo requerer a
falência de outrem será condenado, na sentença que julgar improcedente o
pedido, a indenizar o devedor, apurando-se as perdas e danos em liquidação de
sentença” (LRF art. 101), limite
este imposto pelo legislador em vista dos abusos outrora cometidos em pedidos
de falência sob a égide da revogada legislação.
O processo falimentar situa-se
dentre os ritos especiais como um dos mais complexos, especialmente por envolver
várias áreas do Direito (Direito Civil, Processual Civil, Tributário, Penal,
Processual Penal e por vezes Administrativo). Longe de esgotar-se a discussão,
trata o presente somente do primeiro sobre o tema, de uma série e artigos
elaborados com o objetivo de esclarecer e desmistificar o processo de falência
apresentando-o na realidade como uma solução da sociedade ao cumprimento do
princípio constitucional de função social da propriedade dos bens de produção.
[1]
Dicionário Michaelis UOL. Disponível em:
< http://michaelis.uol.com.br>. Acesso em: 28 maio 2012.
[2] TEBET, Ramez. Parecer da Comissão de Assuntos
Econômicos de nº 534 de 2004 – Elaborado sobre o Projeto de Lei da
Câmara de nº 71, do ano de 2003 (nº 4376/93 na Casa de orígem). Disponível
em:
[http://www.senado.gov.br/web/senador/ramez/lei%20de%20recupera%E7%E3o%20de%20empresas.pdf.].
Acesso em: 14 de janeiro de 2009. p. 29-31
[3] COELHO,
Fábio U. Comentários à nova Lei de
Falências e de recuperação de empresas: (Lei 11.101, de 9-2-2005). 3. ed.
São Paulo: Saraiva, 2005. p. 23.
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