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O federalismo brasileiro e a atuação do Supremo Tribunal Federal

O federalismo, grosso modo, é notabilizado pela existência de mais de uma esfera ou centro de irradiação de Poder e de competências. Em sua gênese, como denota da formação do federalismo dos EE.UU.AA, o federalismo foi caracterizado pelo equilíbrio na repartição das competências entre os estados até então confederados. A formação do Estado nacional americano, resultante da aglutinação de 13 colônias (movimento centrípeto), exigia a materialização de uma divisão estreita e equilibrada de poderes, consubstanciando na autonomia e força dos entes federados.

Essa característica marcante é muito bem observada por Dircêo Torrecillas Ramos que disserta que: “o ideal no sistema federal simétrico é que: cada Estado mantenha, essencialmente, o mesmo relacionamento para com a autoridade central; a divisão de poderes entre o governo central e dos Estados seja virtualmente a mesma base para cada componente político e o suporte das atividades do governo central seja igualmente distribuído.”

Por outro lado, no federalismo assimétrico há certa mitigação e distanciamento da harmonia sedimentada presente no federalismo simétrico, para que, com isso, se busque, na prática, um balanceamento que represente o equilíbrio e a redução de distorções e desigualdades.

A discussão aqui travada não é meramente retórica, principalmente se considerarmos as características e a expressão do federalismo brasileiro; denominado pela doutrina como de federalismo de terceiro grau. A isso se soma importância e a influência da divisão de poderes, inspirada na tripartição de poderes nos moldes da doutrina de Montesquieu, em um país continental e com vários entes que irradiam competências.

 A federação brasileira é composta pela União (pessoa jurídica de direito público que representa o governo federal no âmbito interno e que, no âmbito externo, representa o Estado Brasileiro: República Federativa do Brasil), 26 Estados, o Distrito Federal e outros 5.565 municípios.

Temos, nesse particular, um emaranhado de competências definidas e esboçadas no texto constitucional, exemplo dos artigos 21, 22, 23, 24 e 30 da Constituição Federal, consubstanciada na premissa de que à União caberá disciplinar das matérias de forma geral, aos Estados as matérias de interesse regional e, aos municípios, as de interesses locais. Acrescente-se a tudo isso algumas portas abertas pelo constituinte, a exemplo do parágrafo único do artigo 22 da Constituição Federal, permissivas da invasão pelos Estados no rol de competências da União, mediante autorização especial.

Forçoso concluir que a atividade legislativa no Brasil é incessante e potencializada pelas dimensões continentais do país, bem como pela opção do Constituinte pelo federalismo de terceiro grau.

Nesse contexto, a atuação do E. Supremo Tribunal Federal ganha relevância em definir os limites e as matérias que dizem respeito a cada um dos entes federados.

Vale recordar que a caberia a União, em obediência à sua competência constitucional, fixar regras gerais no tocante a licitações públicas. No entanto, a Lei 8.666/1993, diploma legislativo de vital importância à gestão e contratos público, corolário dos princípios da moralidade, publicidade e impessoalidade, desceu às minúcias estabelecendo regras específicas para cada tipo de licitação, bem como fixando valores gradativos para cada uma das espécies licitatórias.

Pois bem, o E. Supremo Tribunal Federal em diversas ocasiões, direta ou implicitamente, externou seu posicionamento no sentido de que não há inconstitucionalidade ou ilegalidade a ser combatida no respectivo diploma legal. Reconhecida, ainda, a competência dos demais entes federativos de disciplinar a matérias, desde que em compatibilidade com a lei nacional.

Veja que o E. Supremo Tribunal Federal mitigou as regras de simetria em busca de equilíbrio e redução de distorções legislativas valorizando os princípios da moralidade pública, da impessoalidade, da publicidade, da vinculação ao edital, dentre outros.

Rotineiramente a Corte máxima é instada a se posicionar frente a questões implicam no limite de atuação ou de interesse dos entes federativos e, ao fazê-lo, têm se pautado pela prudência, considerando implicação prática de suas decisões, ora reconhecendo a existência de interesse local, ora afastando-o.

Para ilustrar a primeira situação podemos nos valer da súmula 645 em que o E. Supremo Tribunal Federal reconheceu que os municípios são competentes para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento comercial.

Já a segunda situação pode ser verificada no seguinte julgado: “É incompatível com a Constituição lei municipal que impõe sanção mais gravosa que a prevista no Código de Trânsito Brasileiro, por extrapolar a competência legislativa do Município.” (ARE 639.496-RG, Rel. Min. Presidente Cezar Peluso, julgamento em 16-6-2011, Plenário, DJE de 31-8-2011, com repercussão geral).

 É de salutar importância a atuação e o posicionamento ativo da Corte suprema no equilíbrio e efetividade do pacto federativo – fundamento da República –, do estado constitucional e de direito brasileiro.

Comentários

  1. É grande discussão do sistema federativo e dos limites da competência suplementar dos entes federativos. De especial destaque temos os casos do amianto como vemos abaixo:
    EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI PAULISTA. PROIBIÇÃO DE IMPORTAÇÃO, EXTRAÇÃO, BENEFICIAMENTO, COMERCIALIZAÇÃO, FABRICAÇÃO E INSTALAÇÃO DE PRODUTOS CONTENDO QUALQUER TIPO DE AMIANTO. GOVERNADOR DO ESTADO DE GOIÁS. LEGITIMIDADE ATIVA. INVASÃO DE COMPETÊNCIA DA UNIÃO. 1. Lei editada pelo Governo do Estado de São Paulo. Ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Governador do Estado de Goiás. Amianto crisotila. Restrições à sua comercialização imposta pela legislação paulista, com evidentes reflexos na economia de Goiás, Estado onde está localizada a maior reserva natural do minério. Legitimidade ativa do Governador de Goiás para iniciar o processo de controle concentrado de constitucionalidade e pertinência temática. 2. Comercialização e extração de amianto. Vedação prevista na legislação do Estado de São Paulo. Comércio exterior, minas e recursos minerais. Legislação. Matéria de competência da União (CF, artigo 22, VIII e XIII). Invasão de competência legislativa pelo Estado-membro. Inconstitucionalidade. 3. Produção e consumo de produtos que utilizam amianto crisotila. Competência concorrente dos entes federados. Existência de norma federal em vigor a regulamentar o tema (Lei 9055/95). Conseqüência. Vício formal da lei paulista, por ser apenas de natureza supletiva (CF, artigo 24, §§ 1º e 4º) a competência estadual para editar normas gerais sobre a matéria. 4. Proteção e defesa da saúde pública e meio ambiente. Questão de interesse nacional. Legitimidade da regulamentação geral fixada no âmbito federal. Ausência de justificativa para tratamento particular e diferenciado pelo Estado de São Paulo. 5. Rotulagem com informações preventivas a respeito dos produtos que contenham amianto. Competência da União para legislar sobre comércio interestadual (CF, artigo 22, VIII). Extrapolação da competência concorrente prevista no inciso V do artigo 24 da Carta da República, por haver norma federal regulando a questão.

    (ADI 2656, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 08/05/2003, DJ 01-08-2003 PP-00117 EMENT VOL-02117-35 PP-07412)

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