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Assembléias gerais em meio eletrônico: validade e eficácia jurídica.

Publicado originalmene na Revista Jurídica das Faculdades COC em nov/2012. referência:
FERREIRA, Felipe Alberto Verza. Assembléias gerais em meio eletrônico: validade e eficácia jurídica.. Revista Jurídica UNICOC/ Faculdades COC. Ano VII. n.7. ISSN: 1806-7603. Ribeirão Preto, SP: Editora COC.



RESUMO
O trabalho tem como objetivo demonstrar as hipóteses de validade e eficácia jurídica da realização de Assembléias Gerais, total ou parcialmente, em meio eletrônico. Para tanto, primeiramente serão apresentadas as bases do direito, consistentes nos fatos, atos e negócios jurídicos, passando por seus elementos essenciais e atributos. Em segundo momento é apresentada a assembléia geral enquanto negócio jurídico e os requisitos essenciais necessários para sua validade e eficácia. Por fim, serão abordados os conceitos de assembléia geral virtual, contratos em meio eletrônico, princípio da funcionalidade e criptografia assimétrica, e sua conjugação com os requisitos de validade para apuração da possibilidade de realização da assembléia geral em meio eletrônico.
Palavras-Chave: Negócio jurídico, assembléia geral, meio eletrônico, validade e eficácia.

ABSTRACT
This work seeks to demonstrate the possibility of legal validity and effectiveness of realization of General Assemblies partially or totally through electronic media. To that end, we initially cover the basics of the law: facts, acts and legal matters, going through its essential elements and attributes.  Then we present the general assembly as a legal matter and the essential legal requirements needed for its validity and effectiveness.  Finally, we approach the concepts of ‘virtual’ general assembly, contracts in electronic form, functional equivalence principle, and asymmetric encryption, and their association with the validity requirements to verify the possibility of general assemblies by electronic means.
Keywords: Legal business, general assembly, eletronic means, validity e eficacy.

INTRODUÇÃO

Fato notório que, com o surgimento da Internet, foi previsto por muitos que a rede mundial de computadores afastaria as pessoas, as quais ficariam enclausuradas em suas conchas, amealhando relacionamentos virtuais. Porém o sucesso das redes sociais no Brasil tem provado que as previsões catastróficas estavam longe de se realizar e que a internet enquanto ferramenta tem o condão de aproximar pessoas.
Por sua vez, com o desenvolvimento caótico da sociedade, o agravamento das condições de trânsito e de transporte, a ampliação no acesso à tecnologia, à informação e o fenômeno da globalização em si, acentuado nas duas últimas décadas, as pessoas passaram a contar com menor quantidade de tempo disponível, tendo que optar pelas atividades a serem praticadas. Como consequência, se tem verificado o crescimento diário das abstenções nas assembléias gerais – condominiais, de associações, de sociedades por ações, etc. –, desvirtuando inclusive sua função enquanto órgão deliberativo; sustentando Modesto Carvalhosa (2012, p. 601) seu declínio.
Várias são as soluções apresentadas para reduzir o absenteísmo nas assembléias gerais. Entretanto, em termos de efetividade, reduzir distâncias e facilitar acesso e participação é a melhor medida para resgatar sua função precípua: atuar efetivamente como órgão deliberativo. É nesse contexto que se inserem as tentativas de realizações de assembléias gerais em meio eletrônico, possibilitando aos membros a participação ainda que remota, que não seria possível de outros modos.
Uma vez existentes as ferramentas tecnológicas que permitem a realização de assembléias gerais em meio eletrônico e a participação efetiva de seus membros, com segurança dos dados e da verificação das identidades dos participantes, através das assinaturas digitais, necessário se faz o desenvolvimento da tecnologia jurídica para assegurar a validade e eficácia jurídica de tal forma de deliberação.


1. FATO, ATO E NEGÓCIO JURÍDICO
A discussão sobre possibilidade da realização de assembléia geral, total ou parcialmente, em meio eletrônico, demanda prévia análise sobre os fatos, atos e negócios jurídicos, possibilitando a fixação das bases e dos requisitos legais e formais necessários à validade e eficácia de uma assembléia geral "virtual". Etimologicamente a expressão “fato” advém do latim factum, de facere, significando fazer, causar, executar, desempenhar (Diniz, 2004, p. 342). Fatos são acontecimentos, eventos de origem natural ou humana, que podem ou não ter relevância jurídica, na medida em que são geradores de direitos e obrigações. 
Leciona de forma clara e simples o eminente comercialista Fábio Ulhôa Coelho, em sua incursão pela área do Direito Civil (2006, p. 278), que as normas jurídicas recolhem da realidade certas ocorrências (fatos), determinando que na sua verificação devam seguir-se os resultados (consequências) definidos por elas (normas). Em suma, uma vez que nem todos os fatos possuem consequências definidas em normas jurídicas, então será considerado como “jurídico” o fato (evento de origem natural ou humana/pessoal) descrito na norma jurídica como gerador da consequência por ela imputada.
Maria Helena Diniz, em seu Curso de Direito Civil Brasileiro (2004, p. 342), com base nas lições de Savigny, Washington de Barros Monteiro e Caio Mário da Silva Pereira, define fatos jurídicos como: “os acontecimentos previstos em normas de direito, em razão dos quais nascem, se modificam, subsistem e sem extinguem as relações jurídicas”. De outro lado Silvio Rodrigues (2007, p. 155) conceitua a expressão fatos jurídicos em como sendo: “todos aqueles eventos, provindos da atividade humana ou decorrentes de fatos naturais, capazes de ter influência na órbita do direito, por criarem, ou transferirem, ou conservarem, ou modificarem, ou extinguirem relações jurídicas”.
Academicamente a doutrina civilista classifica os fatos jurídicos em sentido amplo como naturais ou humanos, sendo pertinente, a fim de ilustrar-se tal esquematização, a reprodução do quadro sinótico apresentado por Silvio Rodrigues (2007, p. 158):

O artigo 81 do revogado Código Civil de 1916, inspirado na teoria francesa dos atos jurídicos, expressamente definia ato jurídico como: “todo ato lícito, que tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos”, todavia tal definição foi suprimida no Código Civil de 2002, o qual, como ensina de Washington de Barros Monteiro (2012, p. 229), optou por adotar a teoria Alemã dos negócios jurídicos, pouco versando sobre os atos jurídicos.
Maria Helena Diniz (2004, p.343) define os atos humanos (ou simplesmente atos jurídicos) como sendo aqueles fatos oriundos da vontade humana, sendo voluntários quando produzirem os efeitos desejados pelo agente (abrangendo o ato jurídico em sentido estrito quando se objetivar a mera realização de vontade do agente, e o negócio jurídico quando se procura criar normas para regularem-se interesses das partes, independente do querer interno), ou involuntários quando acarretarem consequências jurídicas alheias à vontade do agente (atos ilícitos). Posição divergente apresenta Fabio Ulhôa Coelho (2006, p. 280) ao distinguir o negócio jurídico dos atos meramente lícitos pela intenção do agente. Sustenta o jurista que para a configuração do negócio jurídico se faz necessária a intenção do agente de produzir os efeitos jurídicos previstos na norma, sem esta intenção ocorre somente um ato jurídico em sentido estrito.
Apesar das diferenças doutrinárias no tocante à definição de atos jurídicos em sentido estrito (atos meramente lícitos) e negócios jurídicos (necessidade ou não da intenção do agente), o Código Civil de 2002, em seu artigo 184 (única menção sobre atos jurídicos lícitos) determina expressamente que, aos atos jurídicos lícitos, que não sejam negócios jurídicos, aplicam-se as disposições atinentes aos negócios jurídicos, sendo, portanto irrelevantes as discussões sobre as diferenças entre ato jurídico e negócio jurídico.

1.1.  Elementos constitutivos do negócio jurídico

Em síntese, tem-se a definição geral de negócio jurídico como sendo o fato (acontecimento) oriundo de um ato humano/pessoal através do qual o agente, de forma volitiva e consciente, pratica um ato - previsto em norma jurídica - com a intenção de gerar a consequência legal a ele determinada na referida norma. Todavia, a doutrina enumera três elementos/requisitos constitutivos do negócio jurídico: elementos essenciais, elementos naturais e elementos acidentais, como se pode visualizar pelo quadro sinótico abaixo (Diniz, 2004):

Pertinente, portanto, discorrer sobre cada um dos elementos essenciais do negócio jurídico a fim de melhor analisar seu preenchimento nas assembléias gerais ocorridas, total ou parcialmente, em meio eletrônico, utilizando-se para tanto da sistematização apresentada por Washington Barros Monteiro (2012, p. 228).

1.1.1.    Elementos Essenciais

Os elementos essenciais são a substância do negócio jurídico, subdividindo-se em gerais – aqueles comuns a todos os atos – e particulares – dizendo respeito à peculiaridades existentes em determinadas espécies de negócios. Tais elementos estão insculpidos no artigo 104 do Código Civil, o qual preceitua que a validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei. Os elementos essenciais gerais estão relacionados à pessoa, ao objeto e ao consentimento.
Quanto à pessoa preceitua o art. 104, I, do Código Civil a necessidade de agente capaz, devendo essa capacidade ser interpretada de forma ampla para, não somente abranger-se a capacidade civil, mas também regularidade de representação (para menores e incapazes ou pessoas jurídicas e entes despersonalizados) e legitimação para o ato (requisito legal que, apesar de específico ao ato, diz respeito à capacidade do agente). Com relação ao objeto o art. 104 do Código Civil em seu inciso II requer que o objeto – objeto entendido como o cerne do negócio jurídico e não somente como um bem material – seja lícito (salvo exceções, incluindo-se no conceito de licitude os atos contrários à moral, bons costumes e ordem pública, sob pena de nulidade), possível (devendo ser física e juridicamente possível de forma relativa ou absoluta, ou seja, sendo obstáculo somente a impossibilidade absoluta também sob pena de nulidade), determinado ou determinável.
O último elemento essencial, consentimento, está intimamente relacionado à capacidade e representação do agente e à intenção em praticar o ato e gerar o efeito a ele atribuído. Por ser o negócio jurídico um negócio voluntário, é por óbvio necessário que a manifestação da vontade do agente se dê de forma livre e de boa fé, sem a ocorrência de qualquer vício de consentimento ou social (defeitos do negócio jurídico). Enquanto manifestação de vontade, o consentimento pode ser expresso ou tácito, dependendo da natureza do negócio.
Já o elemento essencial particular é o constante do inciso III do art. 104 do código Civil: forma prescrita ou não defesa em lei. Diz-se particular por tratar de elemento relacionado à forma/solenidade específica do negócio jurídico a ser praticado.

1.1.2.    Elementos Naturais

Tem-se por naturais os elementos peculiares ao negócio em questão; são eles as conseqüências que decorrem da própria natureza do ato sem a necessidade de expressa menção. Tratam de qualidades e atributos definidos pela lei, ao disciplinar aquele negócio jurídico.

1.1.3.    Elementos acidentais

Acidentais são aqueles elementos que podem ou não figurar no negócio jurídico (clausulas acessórias), porém, quando existentes, são indispensáveis para que o negócio se aperfeiçoe.  São eles: condição, termo e modo ou encargo.

1.2.     Defeitos do negócio jurídico

Sendo o consentimento um elemento essencial do negócio jurídico qualquer vício a ele atinente (erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão) implica na invalidade do ato jurídico. Da mesma forma, e de certo modo atrelado ao consentimento, a lei considera como viciada a vontade do agente quando emanada com vício social (quando objetivar a fraude contra credores). A existência dos defeitos (vícios) afeta a essência do negócio jurídico tornando-o passível de anulação (como expressamente preceitua o artigo 171, II, do Código Civil), ou convalidação (salvo direito de terceiros, art. 172 CC).

1.3.     Atributos do negócio Jurídico

Conforme construção doutrinária de Pontes de Miranda se pode considerar o mundo jurídico como dividido em três planos – plano da existência, plano da validade e plano da eficácia – através dos quais nascem e se desenvolvem os fatos, atos e negócios jurídicos (Mello, 2012, p. 134). Assim, além dos elementos constitutivos do negócio jurídico, a doutrina civilista apresenta com base na classificação dos planos de Pontes de Miranda os atributos do negócio jurídico: existência, validade e eficácia.

1.3.1.    Existência

Considerado como o primeiro degrau na “Escada Pontiana”, o plano da existência é do plano do “ser”: nele não se discute validade ou eficácia do negócio. Nas palavras de Marcos Bernardes de Mello (2012, p. 134), os fatos, sendo eventos de origem natural ou humana, ao sofrerem a incidência da norma jurídica juridicizante, têm a parte relevante – assim considerado pela norma – transportada para o mundo jurídico ingressando no plano da existência. Sobre o fenômeno da normatização e juridicização dos fatos, pertinente a transcrição das palavras de Taísa Maria Macena de Lima (1999, p. 209):

Nem todos os comportamentos são objeto de normação jurídica, e muitos comportamentos podem ser simultaneamente normados pelo Direito e outros instrumentos de controle social. Para delimitar o chamado mundo jurídico, procede-se a um corte no mundo social, separando os fatos irrelevantes para o Direito dos fatos juridicamente relevantes.
O nexo entre fato e norma jurídica é observável mediante dois fenômenos: o da nomogênese e o da juridicização. A passagem do meramente factual para o jurídico dá-se com a nomogênese, partindo-se da constatação de que determinado fato natural ou ato humano, por sua repercussão na comunidade, deve ser coibido, incentivado ou simplesmente autorizado. Feita tal avaliação, são elaboradas normas (jurídicas), cuja estrutura comporta a descrição de um fato (hipótese legal, hipótese de incidência, suporte fáctico, tatbestant etc.) e as conseqüências desencadeadas com a verificação do fato previsto. Nem sempre o Direito recebe o dado factual como ele se apresenta. A hipótese de incidência pode ser cópia de fatos observados no mundo social ou um modelo instaurado exatamente para dar outra configuração ao fato.
O fenômeno da juridicização é lógica e cronologicamente posterior ao da nomogênese. Juridicizar significa tornar jurídico, implicando, assim, a entrada decerto evento (fato natural ou conduta do ser humano) no mundo jurídico. O evento somente entra no mundo jurídico quando preexiste norma que o discipline. A juridicização assinala a existência do fato no mundo jurídico, ainda que esse implique violação de norma positivada.

Sustenta Fabio Ulhôa Coelho (2006, p. 312) que para existência do negócio jurídico é necessária a conjugação de seus elementos essenciais – sujeito de direito, declaração intencional e objeto possível – com a juridicidade – definição de tal fato pela norma jurídica genérica, como desencadeador dos efeitos pretendidos pelo agente. Uma vez existente pode ser válido ou inválido.

1.3.2.    Validade

O segundo plano do mundo jurídico é o da Validade. Existindo o negócio jurídico será ele válido ou não se existentes os pressupostos de sua validade: a) verificação de todos os elementos essenciais do negócio jurídico (insculpidos no Código Civil Brasileiro em seu artigo 104): agente capaz; objeto lícito, possível e determinado ou determinável, forma prescrita ou não defesa em lei; b) inexistência de qualquer vício de formação (erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores). Segundo Mello (2012, p. 136): “no plano da validade é onde têm atuação as normas jurídicas invalidantes. A incidência delas se dá, na verdade, quando o suporte fático ocorre, mas os seus reflexos, as suas conseqüências aparecem somente nesse plano” via de regra não transpondo para o plano da eficácia, salvo se tratar-se de negócio jurídico anulável ou alguns tipos específicos de negócios jurídicos nulos (como o casamento putativo).

1.3.3.    Eficácia

 No plano da eficácia é onde os negócios jurídicos produzem os efeitos pretendidos pelos agentes, independentemente da validade, haja vista que negócios jurídicos inválidos (anuláveis) podem gerar os efeitos pretendidos pelos agentes e inclusive serem posteriormente convalidados (Coelho, 2006, p.319). Destaca Mello (2012, p. 138/139) que muitas vezes pode ocorrer que o negócio jurídico seja nulo sem eficácia, ou apenas ineficaz, mas apesar disso dele sejam irradiados efeitos, não os próprios do negócio, porém outros, em virtude de dado invalidante ou ineficacizante. Como exemplo apresenta a venda de um mesmo imóvel por duas vezes para dois compradores distintos, onde para um dos compradores o negócio não poderá ter sua eficácia (transcrição da propriedade), mas uma vez assegurando a lei o direito do comprador à indenização o ato ilícito cometido pelo vendedor gera uma eficácia advinda da invalidação da venda.  
Figuram também no plano da eficácia os elementos acidentais do negócio jurídico – condição, termo e modo ou encargo – na medida em que, na sua existência, o negócio depende do preenchimento dos requisitos impostos ao negócio para gerar os efeitos pretendidos pelo agente e ter sua eficácia plena. 

1.3.4.    Inter-relação entre os atributos e Escada Pontiana

De forma sucinta apresenta Ulhôa Coelho (2006, p. 285) a inter-relação entre os atributos:

São três os atributos do negócio jurídico: existência, validade e eficácia. O negócio existe se preenchidos dois pressupostos: a conjugação dos seus elementos essenciais (sujeito de direito, declaração de vontade com intenção de produzir certos efeitos e objeto fisicamente possível de existir) e a juridicidade (descrição pela lei como fato jurídico). Uma vez existente, será válido, se atendidos os requisitos de validade (agente capaz, objeto lícito e determinável, forma legal) e desde que inexistente vício de formação (erro, dolo coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores). Existente, válido ou inválido, o negócio jurídico será eficaz quando os efeitos pretendidos pelo sujeito ou sujeitos declarantes se realizarem espontaneamente ou com a intervenção do poder judiciário.

Marcos Bernardes de Mello (2012, p. 133) e Fábio Ulhôa Coelho (2006, p. 286) apontam um número limitado de alternativas de combinações dos atributos do negócio jurídico, sendo a existência, entretanto, suporte básico para a ocorrência dos demais atributos:
a) Existente, válido e eficaz: Compra e venda sem vícios de validade na qual as partes cumpriram suas obrigações;
b) Existente, inválido e eficaz: Compra e venda com vícios de validade na qual as partes cumpriram suas obrigações (negócio jurídico anulável, antes da decretação da anulabilidade);
c) Existente, válido e ineficaz: Compra e venda sem vícios de validade na qual ao menos uma das partes deixou de cumprir suas obrigações;
d) Existente, inválido e ineficaz: Compra e venda com vícios de validade na qual as partes deixaram de cumprir suas obrigações / doação feita pessoalmente por pessoa absolutamente incapaz;
e) Inexistente: Compra e venda de bem impossível de existir. 
À “transição” dos negócios jurídicos entre os planos propostos por Pontes de Miranda deu-se a denominação de “Escada (ou escalada) Pontiana”, a qual pode ser verificada pelo modelo didaticamente esquematizado por Flávio Tartuce através do quadro abaixo:

Desse modo a verificação dos requisitos essenciais, conjugada com a utilização da “Escada Pontiana”, tem se revelado o melhor meio de análise do negócio jurídico, com a finalidade de aferir-se a validade e eficácia do ato em questão.

2.      ASSEMBLÉIA GERAL

Modesto Carvalhosa (2009, p. 607) apresenta como fundamento da assembléia geral a formação da vontade do grupo a partir das vontades individuais, após uma confrontação de interesses onde se proporciona um conflito de idéias, mediante a discussão das matérias pelos presentes. Em termos simples, assembléia é a reunião de uma coletividade de pessoas com um fim determinado. Juridicamente pode a assembléia geral ser considerada como a reunião de uma coletividade de sujeitos de direito (pessoas físicas e jurídicas), vinculados entre si (com o qual possuem determinado vínculo jurídico comum) e legitimados para participar do ato, para deliberar por maioria de votos sobre matérias de sua competência enquanto órgão.
José Edwaldo Tavares Borba (2007, p. 374) ao tratar da assembléia geral das sociedades anônimas, ressalva que: “as atribuições da assembléia são, na sua totalidade, de natureza deliberativa, não lhe competindo a prática de atos executivos os quais estão reservados pela diretoria”. Assim, segundo o jurista, a assembléia não possui poderes para obrigar a sociedade perante terceiros, somente para autorizar a obrigação pela diretoria. Além de órgão deliberativo nas sociedades anônimas, em algumas sociedades simples e limitadas, nas cooperativas, condomínios, associações e sindicatos (pessoas jurídicas), a assembléia geral possui também papel importante na lei falimentar (Lei 11.101/2005) sendo o órgão através do qual os credores expressam sua vontade nos processos de recuperação e falência (concurso de credores). Apesar da pluralidade de “espécies” de assembléias gerais compartilham todas dos mesmos requisitos de validade e eficácia.
Adverte Carvalhosa (2009, p. 613), ao discorrer sobre a natureza jurídica do ato, que: “as deliberações sociais são declarações da vontade coletiva da companhia e, nesse sentido, entram na categoria de negócios jurídicos”.  No entanto destaca que, apesar de ser resultado da deliberação de uma coletividade: “trata-se de um negócio jurídico unilateral, formado pela coincidência de vontades individuais que se fundem para expressar a vontade coletiva”.
No plano da validade há que se distinguir a validade da assembléia geral e a validade das deliberações da assembléia. Carvalhosa (2009, p. 612) aponta como requisito de validade da assembléia geral, sua convocação e instalação de acordo com as normas legais e estatutárias, sob pena de nulidade absoluta. Por essa visão, mesmo que as deliberações sejam legais e válidas, o vício de instalação e realização da assembléia geral as invalidará, de forma absoluta. Por sua vez, além da convocação e instalação da assembléia geral, para validade das deliberações assembleares é necessária a conjugação dos seguintes requisitos (Carvalhosa, 2009, p. 612):
a.                 Capacidade jurídica dos participantes de acordo com a lei e o estatuto;
b.                 A matéria das deliberações deve estar de acordo com a lei e estatuto, possuindo a assembléia geral competência para sua deliberação;
c.                 Que as deliberações sejam tomadas com maioria de votos em razão da matéria apreciada;
d.                 Que a manifestação de vontade não seja viciada por erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores;
e.                 Regular registro da presença e das disposições assembleares em ata e registro desta nos órgãos competentes.
Sendo válidas a convocação e instalação da assembléia, serão também válidas as deliberações sociais se cumpridos os requisitos de validade do negócio jurídico (capacidade das partes, inexistência de vícios na vontade, objeto lícito, possível, determinado ou determinável, forma prescrita ou não defesa em lei).
No plano da eficácia, com base no conteúdo das decisões da assembléia geral, classifica Carvalhosa (2009, p. 615) três espécies distintas de atos: a) puramente internos, aqueles que se referem à verificação da legalidade dos atos praticados pelos demais órgãos do ente (como aprovação de contas e eleições);  b) de eficácia imediatamente externa, aqueles que objetivam manifestar a vontade nas relações com terceiros (aprovação de celebração de um contato ou da recuperação judicial de uma empresa). c) de eficácia interna, porém integrativa de atos jurídicos envolvendo outras pessoas jurídicas, aqueles que acarretam modificações institucionais no próprio ente (como fusão, cisão, incorporação).

3.      ASSEMBLÉIA GERAL VIRTUAL

Apesar de amplamente utilizado, o termo “virtual” apresenta-se tecnicamente falho para representar a utilização da rede mundial de computadores (internet) na realização das assembléias gerais, vez que, como bem colocado por Fabio Ulhôa Coelho (2008, p. 02): “a comunicação por meio eletrônico faz-se através de sensibilizações elétricas, e, portanto, de meio físico, que de virtual não tem nada”. Desse modo, afigura-se tecnicamente mais adequada a aplicação do adjetivo “eletrônico” para definição do meio de realização (suporte), bem como da locução “on line” para definir o acompanhamento dos trabalhos assembleares em tempo real.
Sendo a assembléia geral um negócio jurídico formal e complexo, classicamente se desenrola no mundo fenomênico com as deliberações dos participantes e é registrado em suporte papelizado (livros de registro de ata e presença).
Em virtude do princípio da equivalência funcional, preconizado em 1996 pela UNCITRAL (Comissão das Nações Unidas para o Direito Mercantil Internacional), diferem os registros negociais realizados em meio eletrônico dos registros em papel apenas pelo suporte, ou seja, “o contrato pode ter hoje dois diferentes suportes: o papel, no qual se lançam as assinaturas de punho dos contratantes (contrato-p), e o registro eletrônico, em que as partes manifestam suas vontades convergentes através da transmissão e recepção eletrônica de dados (contrato-e).” (Coelho, 2007, p. 37/41). Leciona Coelho (2008, p. 41) que o pressuposto do princípio da equivalência funcional é a constatação de que o meio eletrônico cumpre as mesmas funções do papel em relação ao registro de informações de relevância jurídica, em decorrência não se pode negar juridicidade a um documento eletrônico apenas em razão da natureza de seu suporte. Resume o jurista que ambos os suportes, para sua validade e eficácia, devem desempenhar em relação ao documento jurídico (negócio), as seguintes funções:

1. Acessibilidade. As partes e, se o documento for público, todos os interessados podem ter acesso às informações registradas. No documento papelizado, como assinalado, basta que o leitor conhecedor da linguagem em que foi escrito tenha o suporte em mãos e o leia. No eletrônico, o acesso é garantido ao conhecedor da linguagem em que o documento foi escrito mediante seu processamento em computador que o traduza da seqüência binária para caracteres legíveis na tela.
2. Integridade. Acostumados que estamos com o intenso uso do papel, depositamos nele demasiada confiança no sentido de que ele garante a integridade das informações registradas. Mas, todos sabemos, o papel pode ser adulterado. A integridade é assegurada na medida em que a adulteração deixa pistas que podem ser detectadas por perícia. Pois bem, à semelhança do papel, um arquivo eletrônico adulterado também deixa pistas detectáveis por perícia. A única diferença é que as deixadas pelo papel são físicas e as do meio eletrônico, eletrônicas.
3. Reprodutibilidade. No passado, o documento em papel podia ser copiado em outro papel (manuscrito ou datilografado), de modo a possibilitar que todas as partes tivessem seu próprio exemplar. Algumas pessoas ainda devem se lembrar do papel-carbono, usado para confeccionar o documento em duas ou mais vias. Hoje, a reprodução do papel faz-se com o emprego do meio eletrônico, como no escaneamento da petição inicial para se enviar por e-mail, na transmissão da ordem de pagamento por fax ou mesmo na extração de cópia xerográfica do contrato. O meio eletrônico possibilita, assim, maior segurança na reprodução do que a simples cópia de um papel em outro.
4. Autenticação por assinatura. O documento eletrônico pode ser autenticado por assinatura digital, feita com o emprego da criptografia assimétrica, no contexto da ICP-Brasil, a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira. Garante-se, com essa assinatura, a autenticidade e a integridade do documento, e eventualmente sua privacidade (quando o documento é criptografado simultaneamente com a chave privada do emissor e com a pública do destinatário). Cumpre o documento eletrônico, quando observada essa técnica (ou outra que venha a ser criada com o mesmo grau de segurança), idêntica função à do papelizado. Pode-se ter certeza de que a declaração (informação) partiu de um determinado sujeito de direito e foi recebida por outro.
5. Função probatória. Os documentos eletrônicos são admitidos como prova em juízo ou perante a Autoridade Administrativa tal como os que têm o papel como suporte.

De especial importância na realização eletrônica das assembléias gerais tem-se a função exercida pela criptografia assimétrica que, regulada pela ICP-Brasil (Infra-estrutura de Chaves Publicas Brasileira), instituto criado pela Medida Provisória Nº. 2.200-2, de 24 de agosto de 2001, concedendo segurança dos dados e sua validação, permite se ter certeza de que a declaração de vontade (informação) partiu de um determinado sujeito de direito. Considerando as deliberações e o registro das mesmas, e sua ocorrência, total ou parcialmente, em meio eletrônico, geram-se as seguintes hipóteses possíveis de assembléia (Coelho, 2008, p. 4/5):
1º) Assembléia realizada em ambiente físico e documentada em papel: Modelo tradicional de assembléia, tem suas deliberações tomadas em ambiente físico e posteriormente transcritas em ata papelizada.
2º) Assembléia realizada em ambiente eletrônico e documentada em papel: Tem suas deliberações realizadas (total ou parcialmente) através de vídeo-conferência ou conferência escrita, digitalmente certificadas através das Chaves Públicas e Privadas, e posteriormente, é feita a formalização dos trabalhos em papel, com a transcrição da ata da vídeo conferência ou impressão do histórico das deliberações realizadas, sendo posteriormente coletadas as assinaturas.
 3º) Assembléia realizada em ambiente físico e documentada em meio eletrônico: Cenário ainda não totalmente aplicável haja vista a ausência de regulamentação do registro das atas em ambiente eletrônico nas juntas comerciais e cartórios, sendo, entretanto, questão de tempo para que tais medidas sejam implantadas, ante desenvolvimento a passos largos da tecnologia da informação, à informatização dos serviços públicos.
   4º) Assembléia realizada em ambiente eletrônico e documentada em meio eletrônico: Como na hipótese anterior, este cenário não é admissível, ainda, simplesmente por não ser possível o registro dos instrumentos formalizadores nos órgãos competentes.
Assevera Fabio Ulhôa Coelho (2008, p. 3) que independentemente do tipo de assembléia geral realizada são três os instrumentos necessários à sua formalização: assinatura dos participantes no livro de presença; transcrição da ata no livro de  atas  com  a  assinatura  em  quantidade suficiente para a validação das deliberações (quorum ratione materiae) e a certidão do livro de atas assinada pelo presidente e o secretário dos trabalhos para fins de registro nos órgãos competentes.
Assim, dependendo das formalidades legais e estatutárias exigidas para validade da assembléia geral e sua deliberação, poderão as deliberações assembleares e parte de sua formalização ocorrer em meio eletrônico, através das assinaturas digitais, sendo somente emitida em forma papelizada a certidão do livro de atas para registro.

4.      CONCLUSÃO

Analisando as hipóteses supra de realização da assembléia geral à luz dos requisitos de validade apresentados e das ferramentas tecnológicas (criptografia assimétrica e assinatura eletrônica), conclui-se que: tanto a ocorrência em ambiente físico quando em ambiente eletrônico podem ser consideradas válidas e eficazes. Contudo, a despeito do princípio da equivalência funcional preconizado pela UNCITRAL, somente serão consideradas válidas e eficazes as assembléias gerais documentadas em papel, uma vez que a legislação brasileira e os órgãos registrais não compreendem como válidos os registros em suporte digital.
Identificado o empecilho, se faz necessária a elaboração de material técnico-jurídico sobre o assunto, como forma de pressão sobre os legisladores e responsáveis pela formulação das políticas públicas com vias à aceitação do futuro inevitável: registro eletrônico de documentos pelas juntas comerciais, cartórios, entre outros órgãos assemelhados. Até lá, afigura-se como ótima alternativa para superar o absenteísmo atualmente predominante, a realização das deliberações em meio eletrônico com sua formalização em papel – em alguns casos sendo apostas assinaturas digitais para registro interno e certidão papelizada para arquivamento nos órgãos registrais –, mantendo dessa forma a validade e eficácia da assembléia geral, mas ampliando os meios de participação.

5.      BIBLIOGRAFIA

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