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Liquidação Extrajudicial de Instituição Financeira.


Em virtude da repercussão social e no sistema financeiro nacional dos efeitos da crise econômico-financeira de uma instituição financeira, o legislador optou por criar uma legislação especial para tratar da intervenção e da liquidação extrajudicial das referidas instituições: Lei 6.024/74.

Assim por força do art. 2o, II da Lei 11.101/2005 as instituições financeiras não estão inteiramente sujeitas ao procedimento comum de recuperação judicial e falência (salvo se requerida pelo liquidante nos termos do art. 21 da Lei 6.024/74).

Trata a liquidação extrajudicial de instituição financeira de procedimento administrativo (não há processo judicial) assemelhado à falência das sociedades empresárias, através do qual o liquidante (figura que exerce as mesmas funções do síndico) apura o passivo, arrecada os ativos e realiza o pagamento dos credores.   Por conta da semelhança dos institutos (liquidação/falência) é a Lei 11.101/05 utilizada de forma subsidiária, para suprir eventuais lacunas na Lei 6.024/75.  Nesse sentido é a jurisprudência do E. STJ:
RECURSO ESPECIAL. LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. LEI Nº 6.024/75. LEI DE FALÊNCIAS. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA. HARMONIZAÇÃO. POSSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. CERTIFICADO DE DEPÓSITO INTERFINANCEIRO (CDI) E TERMO DE CAUÇÃO. INEXISTÊNCIA DE CRÉDITO QUALIFICADO. SUBMISSÃO AO CONCURSO GERAL DE CREDORES. PODERES DO LIQUIDANTE E DA AUTORIDADE MONETÁRIA.
BANCO CENTRAL DO BRASIL COMO "JUIZ" DA LIQUIDAÇÃO. EQUIPARAÇÃO. RELEVÂNCIA DOS BENS JURÍDICOS TUTELADOS PELA AUTORIDADE MONETÁRIA.
(...)
3. Por força do disposto no artigo 34 da Lei nº 6.024/75, é possível aplicar a legislação falimentar subsidiariamente ao procedimento de liquidação extrajudicial de instituições financeiras, mas com a ressalva expressa de que somente lhe serão aplicáveis "no que couberem e não colidirem" com os preceitos daquela.
(...)
(REsp 459.352/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/10/2012, DJe 31/10/2012)

Nos termos do art. 15 da Lei 6.024/74 possuem legitimidade para propor a liquidação extrajudicial de instituição financeira:  I - O Banco Central - de ofício; II - Os administradores da instituição -  mediante requerimento; III - Eventual interventor -  mediante proposta fundamentada.

A decisão da decretação ou não da liquidação extrajudicial compete ao Banco Central do Brasil que, no ato, decidirá sobre a gravidade dos fatos determinantes da liquidação extrajudicial, considerando as repercussões deste sobre os interesses dos mercados financeiro e de capitais, (podendo, em lugar da liquidação, efetuar a intervenção, se julgar esta medida suficiente para a normalização dos negócios da instituição e preservação daqueles interesses).

O ato do Banco Central do Brasil, que decretar a liquidação extrajudicial, indicará a data em que se tenha caracterizado o estado que a determinou, fixando o termo legal da liquidação (não superior a 60 dias contados do primeiro protesto por falta de pagamento ou, na falta deste do ato que haja decretado a intervenção ou a liquidação), nomeando liquidante, com amplos poderes de administração e liquidação, especialmente os de verificação e classificação dos créditos, podendo nomear e demitir funcionários, fixando-lhes os vencimentos, outorgar e cassar mandatos, propor ações e representar a massa em Juízo ou fora dele

Todavia, decretada a liquidação extrajudicial a  instituição financeira não perde sua personalidade jurídica (Código Civil art. 51), sendo a instituição administrada pelo interventor até o encerramento da liquidação, atuando o Banco Central como "juiz" do procedimento administrativo de liquidação.  Sobre o assunto, inclusive, foi o posicionamento do STJ:
RECURSO ESPECIAL. LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. LEI Nº 6.024/75. LEI DE FALÊNCIAS. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA. HARMONIZAÇÃO. POSSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. CERTIFICADO DE DEPÓSITO INTERFINANCEIRO (CDI) E TERMO DE CAUÇÃO. INEXISTÊNCIA DE CRÉDITO QUALIFICADO. SUBMISSÃO AO CONCURSO GERAL DE CREDORES. PODERES DO LIQUIDANTE E DA AUTORIDADE MONETÁRIA.
BANCO CENTRAL DO BRASIL COMO "JUIZ" DA LIQUIDAÇÃO. EQUIPARAÇÃO. RELEVÂNCIA DOS BENS JURÍDICOS TUTELADOS PELA AUTORIDADE MONETÁRIA.
(...)
2. O fato de a instituição financeira estar sob regime de liquidação extrajudicial (Lei nº 6.024/75), sob intervenção do Banco Central, não lhe altera a personalidade jurídica e não retira a competência da justiça estadual para apreciar o litígio. Precedentes.
(...)
4. Atribuições distintas do liquidante e do Banco Central, que não se sobrepõem, não se excluem e devem ser compatibilizadas visando o melhor aproveitamento da liquidação extrajudicial das instituições financeiras.
5. O Banco Central do Brasil, na qualidade legalmente equiparada de "juiz da falência", reconheceu que os créditos oriundos do termo de caução pertenciam à instituição liquidanda. Tal determinação administrativa não foi impugnada pelas vias próprias. Daí porque não há falar em existência de crédito qualificado em favor do recorrente/credor, restando-lhe submeter-se ao concurso geral de credores.
6. Recurso especial não provido.
(REsp 459.352/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/10/2012, DJe 31/10/2012)

Como leciona o jurista Paulo Sérgio Gomes Alonso[1], nos termos da Lei 6.024/74 a decisão de decreta a liquidação gera os seguintes efeitos (art. 18):
a) suspensão das ações e execuções iniciadas sobre direitos e interesses relativos ao acervo da entidade liquidanda, não podendo intentar outra enquanto durar a liquidação, exceto quando houver discordância do credor quanto à decisão proferida pelo liquidante ou, em grau de recurso, pelo presidente do BC, em relação ao seu crédito, podendo neste caso prosseguir com a ação suspensa ou propor as que couberem (art. 27/Lei 6.024/74);
b) vencimento antecipado das obrigações da liquidanda;
c) não atendimento das cláusulas penais dos contratos unilaterais vencidos em virtude da decretação da liquidação extrajudicial;
d) suspensão da fluência dos juros, mesmo que estipulado contra a massa, enquanto não integralmente pago o passivo;
e) interrupção da prescrição relativa à obrigação de responsabilidade da instituição;
f) não reclamação de correção monetária de quaisquer dívidas passivas (derrogado nesta parte pelo art. 46 das Disposições Constitucionais Transitórias, o qual sujeita à correção monetária, do vencimento até o seu efetivo pagamento), nem de penas pecuniárias por infração de leis penais ou administrativas;
g) manutenção da indisponibilidade dos ex-administradores, decorrente de intervenção ou sua incidência (art. 36, § 1º/Lei 6.024/740);
h) perda do mandato dos membros da administração (art. 50/Lei 6.024/74);

No tocante à suspensão das ações e execuções, a redação do inciso "a" do art. 18 da Lei 6.024/74 pode induzir à erro o leitor levando a crer que ocorre a suspensão de toda e qualquer execução relativa à instituição financeira.  Porém, a interpretação correta é a de que suspendem-se todas as execuções contra a instituição (exceto as execuções fiscais e ações em fase de conhecimento/cognição), devendo os credores serem habilitados no procedimento administrativo de liquidação,  sobre o assunto:
PROCESSO CIVIL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. EXECUÇÃO CONTRA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA EM LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL. O art. 18, a, da Lei nº 6.024, de 1974, proíbe o ajuizamento de ações ou execuções contra instituição financeira em liquidação extrajudicial; proposta, a despeito da norma legal, a execução pode ser inibida por meio de exceção de pré-executividade. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 468.942/PA, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/09/2005, DJ 03/10/2005, p. 241)

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. TÍTULO JUDICIAL. EXECUTADA. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA EM LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL. SUSPENSÃO. NÃO PROVIMENTO.
1. Tratando-se de execução movida contra instituição financeira em regime de liquidação extrajudicial, é de rigor, via de regra, sua suspensão, a teor do artigo 18, "a", da Lei 6.024/74. Precedentes.
2. Agravo regimental não provido.
(AgRg no Ag 646.909/RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 06/09/2011, DJe 13/09/2011)

Liquidação extrajudicial. Execução para cobrança de crédito fundada em título extrajudicial. Suspensão. A decretação da liquidação produz a "suspensão das ações e execuções iniciadas sobre direitos e interesses relativos ao acervo da entidade liquidanda, não podendo ser intentadas quaisquer outras, enquanto durar a liquidação" (Lei nº 6.024/74, art. 18, a). Tratando-se de execução, é de rigor a suspensão, não vindo a pêlo precedentes do STJ a propósito da ação de conhecimento. É irrelevante tenha a execução se iniciado antes da edição do decreto de liquidação. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 177.535/BA, Rel. Ministro NILSON NAVES, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/03/1999, DJ 07/06/1999, p. 104)

LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL. SUSPENSÃO DE PROCESSO RELATIVO A ENTIDADE LIQUIDANDA. ART. 18, "A", LEI N. 6.024/74. LIMITES.
A suspensão das ações e execuções a direitos e interesses do acervo de entidade em regime de liquidação extrajudicial preconizada no art. 18, "a", lei n. 6.024/74, ha que ser aplicada com certo temperamento, mormente quando se tratar de ação de conhecimento, onde se busca tão somente o reconhecimento do direito do autor.
Recurso não conhecido.
(REsp 38.740/RS, Rel. MIN. CLÁUDIO SANTOS, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/10/1994, DJ 21/11/1994, p. 31763)

Ação de consignação em pagamento. Instituição financeira em liquidação extrajudicial. Precedentes da Corte.
1. Como assentado em precedentes da Corte descabe a extinção da ação de consignação em pagamento ao fundamento de que a instituição financeira ré está em regime de liquidação extrajudicial.
2. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 230.123/PI, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/04/2004, DJ 07/06/2004, p. 215)

De outro lado, incumbe ao liquidante (em seu mister de arrecadação de todos os ativos da instituição financeira em liquidação) o dever de prosseguir nas demandas em curso, sendo, inclusive, dispensada a participação de representante do MP como custos legis:
PROCESSUAL CIVIL - EXECUÇÃO PROMOVIDA POR INSTITUIÇÃO FINANCEIRA EM LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL - DESNECESSIDADE DE INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO COMO CUSTOS LEGIS.
I - Em se tratando de mera execução de crédito da instituição financeira liquidanda em face de particular, desnecessária a intervenção do Parquet, sobretudo porque, caso evidenciada qualquer irregularidade, poderá ser sanada no momento oportuno, qual seja, no âmbito do próprio processo de liquidação extrajudicial, de apuração de haveres, em que a atuação do Ministério Público é obrigatória e indispensável, a teor do artigo 34 da Lei 6.024/74, combinado com o 210 da Lei de Falências.
II - Recurso Especial conhecido e provido.
(REsp 171.238/RR, Rel. Ministro WALDEMAR ZVEITER, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/02/2001, DJ 09/04/2001, p. 351)

 Por força do art. 31 da Lei 6.024/74, poderá o liquidante, prévia e expressamente autorizado pelo Banco Central do Brasil, adotar qualquer forma especial ou qualificada de realização do ativo e liquidação do passivo, ceder o ativo a terceiros, organizar ou reorganizar sociedade para continuação geral ou parcial do negócio ou atividade da liquidanda.

Nos termos do art. 19 da lei 6.024/74, a liquidação extrajudicial cessará: a) se os interessados, apresentando as necessárias condições de garantia, julgadas a critério do Banco Central do Brasil, tomarem a si o prosseguimento das atividades econômicas da empresa; b) por transformação em liquidação ordinária (CC art. 1.102 e seguintes); c) com a aprovação das contas finais do liquidante e baixa no registro público competente; d) se decretada a falência da entidade (art. 21 da Lei 6.024/74).

Ante o supra exposto, com a liquidação extrajudicial não se resolvem de pleno direito os contratos e acordos firmados pela instituição financeira liquidanda, não perdendo a mesma sua condição de instituição financeira (mormente pelo contido nos arts. 19 e 31 da Lei 6.024/74 no tocante à continuidade geral ou parcial do negócio/atividade).




[1] http://www.psga.adv.br/sub_paginas/direito_empresarial2/

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